Crise do associativismo desportivo<br>– Significado e dinâmica
Os aspectos que se têm referido à crise do associativismo – entendidos como as dificuldades que qualquer associação enfrenta para responder às necessidades actuais dos indivíduos e continuar a desenvolver o seu papel social, cultural e histórico – limitaram-se a referir processos segmentares. Importa integrá-los numa visão genérica que tem como objectivo clarificar a própria noção de crise em geral. Importa reconhecer, tal como o esclareceu, por exemplo, Gramsci, que a «crise consiste... no facto de o velho estar a morrer e o novo não poder nascer». Ao contrário daquilo que muitos apregoam, não se trata de uma «reformulação de mentalidades» conseguida através de uma formação (naturalmente necessária em termos operacionais, mas incapaz, por si só, de resolver «a crise»), mas de tomar consciência de que os interesses dos grupos dominantes que detêm o poder se encontram em antagonismo com os interesses da generalidade da população. Não nos cabe, aqui e agora, clarificar mais profundamente este antagonismo, mas interessa não aceitar seguir uma visão desintegrada e algo mecânica da crise associativa que, entre nós, procura explicá-la de acordo com um fatalismo que caracteriza a evolução social. Isto é tanto mais importante quanto a «visão fatalista do devir social» é característica de uma concepção incapaz de resolver e, até, explicar a profunda instabilidade das sociedades actuais e as enormes contradições que nelas se continuam a manifestar. Convém ter presente que a crise associativa não é recente, nem sequer passou a manifestar-se somente nestes últimos 20 anos. No presente, talvez mais fortemente do que nunca, o associativismo, recusando partilhar os «valores» orientadores do neoliberalismo (obtenção do máximo lucro, «objectivação» (transformação em objecto) do próprio ser humano, consumo acrítico de bens supérfluos mas essenciais ao desenvolvimento do mercado, etc.), vive uma nova forma de crise, talvez a mais grave, assente na incapacidade deste aceitar e permitir que se desenvolva um sector social que escapa ao seu controlo e obedece a princípios de solidariedade, equidade e participação humanizada que lhe são completamente estranhos. Este conflito manifestou-se permanentemente, mesmo nos momentos que, observados agora à distância de várias décadas, parecem mais tranquilos, mas em que de facto, continuavam a actuar as forças sociais representativas de interesses opostos. Só compreendendo esta dinâmica, de que aqui nos limitamos a enunciar as suas linhas mais gerais, é possível entender o que se passou com o Movimento Associativo Popular durante o domínio do regime fascista (em si próprio traduzindo um aspecto de extrema gravidade da crise social do nosso País) e aquilo que hoje se passa com a tentativa, sempre renovada, de impedir a expansão e a afirmação plena da função associativa. Naturalmente que as manifestações da crise variam na sua configuração e formas de emergência. Contudo, a sua essência não se alterou e, se no passado, a PIDE-DGS exercia um controlo rigoroso sobre a constituição e o funcionamento das direcções das associações (a concepção de que o associativismo era uma «ilha democrática» no interior da ditadura – Estado Novo, é um mito que alguns continuam a querer fazer perdurar), hoje são os imperativos do mercado neoliberal que levantam objecções semelhantes na sua essência, mas assumindo nova configuração. É certo que o Movimento Associativo não pode ser considerado como uma formação social homogénea, dinamizada e constituída unicamente pelas forças sociais que se encontram do mesmo lado. A falta de estudos e de investigação sobre a questão associativa em Portugal, não permite esclarecer com a necessária clareza a sua estruturação social. Mas, em países europeus em que essa investigação já se realizou há muito, como por exemplo a França e o Reino Unido, é possível verificar com rigor que o associativismo exprime, na sua configuração, a estrutura social na sua totalidade. Convém, por isso, reafirmar uma vez mais, que tratamos aqui daquilo que designamos por «clubes populares», ou seja, as pequenas células sociais (que podem ter várias centenas de «sócios») mas que se formam nos bairros populares, nas cinturas industriais das grandes cidades e nas aldeias, possuindo meios limitados de acção para responder às necessidades da população que os frequenta. Estas «células sociais» vivem, na sua acção quotidiana, as manifestações mais violentas da crise, na medida em que é nelas que se exprime a maior desproporção entre a emergência premente das novas necessidades e a falta de meios (materiais e humanos) indispensáveis para lhes dar resposta.